sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

PAZ E LUTAS

PAZ E LUTAS

Os índios Aymara, que habitam há séculos as margens do lago Titicaca, nos Andes, defendem a necessidade de sete diferentes tipos de paz.

A primeira é para dentro de si.
Consigo próprio,
na saúde do corpo,
na lucidez da mente,
no prazer do seu trabalho,
na correspondência dos seus amores.
Sem paz consigo,
você não está em paz.


A segunda é para cima.
Com o espírito de seus antepassados,
com a vontade de Deus.
Se você não está em paz
com o mundo sobrenatural,
espiritual,
com a metafísica de sua existência,
sua paz está incompleta.


A terceira paz é para frente,
com seu passado.
A arrogante cultura ocidental
põe o passado para trás.
Já os Aymara põem o passado
à frente,
porque ele é o conhecido,
o visto,
o vivido.
Se você tem remorsos,
dívidas não pagas,
culpas,
arrependimentos,
não está totalmente em paz.


A quarta paz é para trás,
com seu futuro.
Quem tem medo do que virá,
está assustado com dívidas a pagar,
com emprego incerto,
esperando más notícias,
não está em paz.

A quinta é para o lado esquerdo,
com seus próximos.
Sem a paz familiar,
não há paz.
A disputa doméstica,
o descontentamento com familiares
e amigos próximos,
tira o sentimento de paz.


A sexta paz é para o lado direito,
com seus vizinhos.
Não adianta a paz em casa,
se do outro lado da rua estão a
ameaça,
a maldição,
o descontentamento.


A sétima paz é para baixo,
com a terra que você pisa,
de onde virá seus sustento.
Se vier tempestade,
se o solo secar ou tremer,
não haverá paz completa.

Para cada leitor, eu desejo esses sete tipos de paz, com base na sabedoria Aymara. Mas desejo que, além das sete formas de paz, você tenha planos para construí-las. Das sete, cinco dependem apenas de você e sua família, de sua introspecção, sua espiritualidade, suas amizades.


Mas duas, para a direita e para baixo, dependem de sua ação social e política. Dependem de luta. No mundo globalizado de hoje, os vizinhos são todos os seres humanos, começando por seus conterrâneos nacionais. Para nós, brasileiros do século XXI, nossos vizinhos são 185 milhões de compatriotas.


A paz de cada brasileiro depende do bem-estar de cada outro brasileiro, sem fome nem violência. Por isso, se queremos a paz completa, temos que agir para alcança-la. A paz no seu lado direito não estará completa enquanto todos os brasileiros não tiverem a mesma chance na vida. O caminho é lutar, em 2008, para que o Brasil comece sua revolução por uma escola igual para todos.


Da mesma forma, é preciso colocar nos seus planos para 2008 a luta pela proteção da natureza, o início da revolução por um desenvolvimento sustentável. Sem isso, você não terá paz para baixo, com a mãe Terra. Nem vai garantir a mesma chance entre gerações, deixando os próximos brasileiros sem acesso ao mesmo patrimônio natural.


Esses dois planos de luta para 2008 são necessários, para que você tenha paz para baixo e para o lado direito, com a Terra e com a humanidade. Em especial, com todos os brasileiros. Além disso, sem dedicação e generosidade, você não terá, nem merecerá, as outras formas de paz, É impossível ter paz com Deus tendo crianças sem escola, ou destruindo a Amazônia.

Como não ter remorso sabendo estamos despedaçando nosso país e nosso mundo?

E como ter paz com a família, quando filhos e netos perguntarem o que você fez para evitar a tragédia?

Desejo a cada leitor muita paz. A paz completa dos Aymara, e uma vida que assegure as cinco formas de paz vindas de você e da família, quanto as duas outras que vêm da luta política e social de que o Brasil e o mundo precisam.

Afinal, Jesus, que deu início a esse sentimento natalino, é um exemplo da paz interna e da luta por um mundo melhor, no qual todos vivam em paz.


Desejo-lhe sete tipos de paz neste Natal, e que, em 2008, você lute para ter direito a eles. Feliz Natal, Próspero 2008, sete formas de paz para você. E muita participação para construí-las. Porque a paz não acontece, ela é construída.

Cristovam Buarque

O Globo

Sábado, 22 de dezembro de 2007

seja o primeiro a comentar!

Postar um comentário

^